Manifesto

Em Abril de 2020, uma centena de intelectuais do continente africano e da sua Diáspora assinaram uma carta aberta instando os líderes africanos a gerirem a pandemia da COVID-19 com inteligência e audácia, rejeitando o mimetismo e governando com compaixão, empreendendo reformas radicais contando com os recursos humanos e materiais a nível continental.

A pandemia da COVID-19 continua a debilitar economias já frágeis. Ela revela a precariedade das estruturas de saúde e da investigação científica, lançando umas sombra de insegurança sobre o continente, face a um futuro ainda mais incerto pelo regresso do isolacionismo a nível global. A crise actual também lança uma visão dura sobre vários desafios contemporâneos que antes estavam ofuscados pelos números deslumbrantes do crescimento económico nos últimos anos. A gestão da pandemia por parte dos governos africanos tendeu a restringir ainda mais os direitos e liberdades políticas, adiando, mais uma vez, a necessidade de redefinir novas relações entre os governantes e os governados, no sentido de uma maior participação política das classes trabalhadoras.

Apesar deste contexto sombrio, trabalhadores das minas, pastores, agricultores, trabalhadores dos subúrbios, trabalhadores independentes no sector informal, mulheres e homens de honra e coragem estão a trabalhar arduamente, desenvolvendo projectos de vida e levando-os a cabo com auto-sacrifício a fim de facilitar a educação dos seus descendentes e, consequentemente, das futuras gerações. Esta África, encorajada por uma esperança implacável, desafia o espectro das calamidades que são regularmente predicadas, rejeitando qualquer ideia de determinismo.

Se há uma lição a ser aprendida da história da humanidade, é que grandes feitos emergem de situações de crise profunda. Acreditamos firmemente que África precisa de uma mudança de direção, mudança que deve ser significativa, radical, e que não pode ser diferida ou adiada. A nossa carta aberta de Abril de 2020 servia para lembrar este facto. Apelávamos a uma tomada de consciência general e à elaboração de uma narrativa alternativa na qual os africanos/as se reconheceriam e que dela se poderiam apropriar.

A nossa declaração tornou-se a matriz de uma iniciativa inclusiva de intelectuais africanos. O Colectivo para a Renovação Africana, ou CORA, é uma iniciativa que reflecte e persegue o desejo profundo e inabalável de milhões de africanos no continente e na Diáspora de romper com as ortodoxias dominantes, um pré-requisito para repensar o continente sob uma luz diferente, e construir um novo futuro comum.

 O nosso colectivo reúne escritores, historiadores, médicos, cientistas sociais e de ciências naturais, artistas, políticos progressistas e líderes comunitários. É consistente com os movimentos da Tricontinental que surgiram com as independências em todo o continente e na diáspora. O nosso desejo é trabalhar ao lado dos movimentos pan-africanistas e outros potenciais aliados, a fim de contribuir para a luta de libertação.

Na era de ressurgimento de grandes complexos económicos e da consolidação de grandes grupos territoriais e económicos, apelamos a todos/as os/as compatriotas africanos/as para uma ruptura e um salto colectivo decisivo. Convidamo-los a pensar e a construir uma África do século XXI, abraçando a necessidade vital de um compromisso global que permita recuperar o controle das principais decisões políticas, económicas, sociais e culturais.

Cientes desta missão, apoiamos activamente a autonomia na reflexão, na acção e na proposta de iniciativas endógenas. A renovação africana que pedimos deve ser inspirada e concebida a partir da vida quotidiana, do contexto sócio-histórico e do ambiente em que as sociedades se movem.

Afirmamos a necessidade de nos reapropriarmos dos diversos legados da nossa rica e tumultuosa história milenar para determinarmos por nós próprios as nossas formas de organização política, económica, social e cultural.

Reafirmamos também que a promoção das artes, ciências e tecnologia, com respeito pelas culturas e diferenças locais, nos permitirá alcançar a utopia que dita a vida e a sobrevivência dos nossos povos.

À semelhança de milhões de compatriotas nossos em África e na Diáspora, estamos convencidos de que só uma abordagem arrojada e a longo prazo permitirá ao continente recuperar a sua dignidade, plena autonomia, e a assumir uma presença mais significativa no mundo.

É nossa obrigação contribuir ardentemente para a emergência de uma África verdadeiramente independente e soberana, tendo como horizonte uma verdadeira ética humanista marcada pelo selo da solidariedade universal.




Principos do CORA

1.Valorização das perspectivas africanas

África é o nosso principal referente intelectual, embora estejamos receptivos ao diálogo com perspectivas de outras partes do mundo. Porém, O objectivo é privilegiar uma reflexão sobre o mundo do ponto a partir de um ponto de vista africano, e redireccionar o conhecimento sobre África para dentro do continente.

 

 

2. Inclusão

As hierarquias opressivas, a discriminação e a exclusão são um flagelo em todas as partes do mundo. Apostamos na promoção da inclusão no nosso trabalho, com a firme convicção de que a diversidade de experiências e a multiplicidade de vozes são elementos essenciais.

 

 

3. Cooperação

A África precisa de colaboração, reciprocidade e utilização das suas capacidades e talentos. Trabalharemos em conjunto, para reunir conheciments, experiências e capacidades, a serem partilhados com quem partilha desta perspectiva, em benefício do continente e da humanidade.

4. Intergeracionalidade

O conhecimento é um projecto intergeracional em permanente desenvolvimento. Consideramos que fazemos parte da longa genealogia dos eruditos africanos. Por isso, estaremos num diálogo permanente e activo com o nosso passado, presente e futuro.

 

 

5. Integridade intelectual

Os intelectuais e pesquisadores são cidadãos com preferências políticas próprias, mas também aprendizes que ouvem os conhecimentos que alimentam diariamente as sociedades africanas. É por isso que estamos individual e colectivamente empenhados em participar neste esforço, com transparência, honestidade e no interesse de África.

 

 

6. Liberdades intelectuai

As liberdades e responsabilidades académicas e intelectuais trarão o que há de melhor em acadêmicos e pesquisas africanas. Promovemos e defendemos o direito de todos a pesquisar, escrever, expressar e divulgar ideias, opiniões, obras e criações artísticas.

7. Solidariedade internacional

Diante dos desafios comuns da humanidade e da indispensável solidariedade entre os povos, somos sensíveis às possibilidades de colaboração com forças progressistas que desejam trabalhar ao nosso lado em prol de um mundo melhor para as gerações actuais e futuras.